segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Armário frustrado...

Assumir-se homossexual para Deus e o mundo é algo realmente muito complicado, especialmente quando se trata da família.

Revelar que se é gay aos pais, irmãos, tios, avós ou para qualquer outro familiar pode ser uma experiência traumatizante, para não dizer violenta.

Aos amigos, digo normalmente que o processo de aceitação é comparável à digestão de um belo pedaço de picanha num domingo à tarde: ele é sempre lento, e os “resultados” são imprevisíveis.

Minha saída do armário, porém, foi um pouco diferente. Sempre senti que meus pais foram muito abertos em relação a assuntos mais polêmicos, e a minha educação durante toda a adolescência foi calcada no diálogo.

Em casa, sempre se discutiu sobre sexo, camisinha, drogas e homossexualidade, mas eu também sempre soube – e isso não é muito diferente das outras famílias – que meus pais possuíam “pré-conceitos” a respeito desses assuntos.

Não vou ser hipócrita e dizer que meus pais não se chatearam ao saber que o filho deles era gay. Mas é aí que surge a tarefa primordial de um filho: procurar ser sempre o mais aberto e sincero possível a dúvidas que deverão surgir. Ok, ok, isso não é uma regra e pode não funcionar em grande parte das famílias – mas é um primeiro passo.

A primeira pessoa que soube que eu era gay foi minha irmã. Quatro anos mais nova do que eu, ela sempre foi minha companheira, apesar de sermos pessoas muito diferentes – e de repertórios muito diferentes. Ainda bem.

Nessa diferença é que encontramos nossas semelhanças em relação ao assunto. Explico: nunca achei que minha irmã pudesse ser tão tolerante e tranqüila ao saber que eu era gay, já que ela era apenas uma adolescente que ainda vivenciava suas crises existenciais. Pensei que sua primeira reação pudesse ser mais violenta, mas ela definitivamente me surpreendeu.

Resolvi contar para minha irmã que era gay num sábado à tarde. Preparei um verdadeiro ritual para a saída do armário. Utilizei todas as minhas técnicas de ator e ensaiei o meu texto. Não queria ser muito objetivo nem muito lacônico. Precisava convencer e não chocar.

A sensação era de que eu estava num filme de suspense, mas depois da reação da minha irmã tudo se transformou numa verdadeira novela mexicana – das piores, se isso não for uma redundância...

Aproveitei que meus pais tinham saído e entrei no quarto da minha irmã. Ela assistia à televisão tranqüilamente ao lado do cachorro. Entrei, olhei para ela e o tempo congelou ao meu redor. Não ouvia nenhum ruído, tamanha era a minha concentração. Ao fundo, ouvia uma trilha a la Hitchcock. Pronto. O momento tinha chegado. Suava frio.

– Bel, preciso conversar com você.

Meu Deus. Como era difícil. A sensação era de que eu teria um ataque cardíaco naquele momento.

– O que foi? – a Bel sempre foi assim, bem seca.

– Então, queria te contar uma coisa.

Suspense. Nesse momento, até a mosca que voava próximo aos meus ouvidos parou para ouvir o que eu tinha para confessar.

– Conta! Ela desligou a TV, chegou a fazer cara de preocupada – mas não era preocupação, era curiosidade mesmo.

– É que, bom...

– Vai me falar que você é veado?

O mundo despencou em cima de mim! Não acreditava que tinha ouvido aquilo. Como ela poderia saber? Meus planos tinham ido por água abaixo.

O clima que eu criei, o texto que eu ensaiei, os momentos de expectativa e tensão, tudo tinha sido destruído por aquela afirmação bombástica. De nada tinha valido toda a minha preparação.

– Ah...

Eu ria muito. Ria completamente nu.

– Eu já sabia, ou você pensa que não percebi a forma pela qual você olhava para o Du?

Nossa, e eu sempre fui tão discreto... Quando recebia meu namorado em casa, evitava dar muito bandeira – mas ela era esperta, muito esperta...

– Bom, mas era isso que eu tinha pra te contar...

Vai firme! Se isso te deixa feliz...

Hoje, minha irmã é minha conselheira, opina sobre tudo e todos e seus comentários são normalmente cáusticos.

Apesar de ser assumido para grande parte da família, não se fala muito sobre homossexualidade em casa, mas quando o assunto surge, ele é sempre tratado com naturalidade.

Minha saída do armário poderia ter sido mais traumatizante, como é ainda para muitos gays e lésbicas – mas não foi. Tive sorte de nascer em uma família tolerante e compreensiva.

A frustração ficou por conta do tempo que eu perdi me preparando para me assumir gay. Mas não posso reclamar. Foi melhor assim.

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